sábado, 14 de maio de 2022

Peter Collins




























Ele era o parceiro de Mike Hawthorn.

Companheiro de festas.

De aventuras.

Isso mesmo.

Para Peter Collins a corrida era apenas mais uma aventura.

Não havia compromisso.

Tudo fazia parte do lúdico.

Collins era do time dos bem-nascidos.

O mundo era dele.

Ainda jovem, na Inglaterra, foi expulso da escola.

Matava aulas para ficar futucando carros.

Começou a vencer provas locais e logo se destacou entre seus pares.

Em 1952 chegou a Fórmula 1.

Com pouco mais de vinte anos.

Passou pela Vanwall e Maserati.

Na Ferrari encontrou Juan Manuel Fangio.

É aí que aparece um ato de desprendimento sem igual.

Final da temporada de 1956.

Na Itália os dois pilotos da Scuderia Italiana brigavam pelo título.

Collins precisava fazer sua parte: vencer a prova.

E ainda contar com a sorte para ter chances.

Fangio não podia terminar a corrida.

Um infortúnio de seu companheiro de equipe seria bem vindo.

Os dados foram lançados.

O carro do argentino quebrou.

Collins só tinha Stirling Moss na sua frente.

Durante a parada de reabastecimento, Collins olhou para Fangio
parado no box.

Sem hesitar, o inglês desceu do carro e cedeu seu lugar.

O regulamento da época permitia.

Juan Manuel Fangio chegou ao título.

Em meio a milhares de perguntas, Collins se justificou.

"Ele merecia vencer. 

Ainda tenho muito tempo."

Não tinha.

A partir daqui a história fica dramática.

Os dois anos seguintes seriam os últimos de sua vida.

E Peter Collins os viveu intensamente.

Conheceu Lousie King e em uma semana eles se casaram.

Levou a atriz americana, filha de diplomata, para morar com ele
em Mônaco.

No Mipooka, seu iate, ele e Hawthorn selaram um acordo em 1958.

Um pacto.

Não importava mais quem chegasse em primeiro.

Os prêmios seriam sempre divididos entre eles.

Isso trouxe uma rivalidade com o piloto italiano Luigi Musso 
dentro da Scuderia Italiana.

O Commendatore não tomou partido.

Só queria saber das vitórias.

Em Reims, Musso estava pressionado.

As dívidas estavam altas demais.

Precisava da vitória.

Do dinheiro.

Fiamma, sua namorada, acompanhava tudo e sofria junto.

O italiano andou acima de seus limites e acabou se acidentando.

Mesmo sendo levado ao hospital, não resistiu.

No hotel, a equipe Ferrari recebeu a notícia de sua morte.

Hawthorn foi o vencedor da prova.

E comemorou com Collins.

Com muita cerveja.

Fiamma não se conformava.

"Aquilo não estava certo".

Ela dizia.

Menos de um mês depois a parceria dos ingleses acabaria.

De forma trágica.

Em Nurburgring, Hawthorn assistiu ao acidente de Collins.

O piloto inglês, assim como Musso, morreu no hospital.

Hawthorn, amargurado, viveu apenas por mais seis meses.

Com o fim dos inimigos, Fiamma se sentiu liberta.

"Eu odiava os dois. 

A morte deles me trouxe paz."

Tantos sentimentos.

Num esporte que exalta a mecânica.

A engenharia.

A tecnologia.

E parece frio.

Nobreza, cordialidade, amor, intriga, rivalidade, desejo de vingança.

E ódio.

Existe coisa mais humana que a Fórmula 1?

22 comentários:

Speeder76 disse...

Verdade, verdadinha. E há rumores de que pode dar filme, com o Manish Pandey, o mesmo argumentista do documentário "Senna".

Marcos Antonio disse...

é, bela história de um tempo romantico da F1...

Anônimo disse...

Parece mentira... de tão bem "elaborada" que é a trama toda... é até arrepiante tudo isso...

A Ferrari parece sempre marcada pelas tragédias envolvendo pilotos seus... Ascari, Castellotti, De Portago, Musso, Collins, Hawthorn, Von Trips, Lauda (quase!), Villeneuve, Pironi... (mais alguém?)


um abraço,
Renato Breder

fernando disse...

não sabia do pacto pelos prêmios, nem da rivalidade (mortal) com Musso.

não é sobre os dois ingleses um certo livro chamado "Mon Ami Mate"? não à toa andam pensando em fazer filme, a história é ótima e já está contada.

ótimo post, aliás, o texto é cinematográfico, realmente.

(no olhômetro: 1. Silverstone, quando Collins venceu; 2. Mônaco - como era charmosa essa época lá, a de "Ladrão de Casaca" de Hitchcock, filme adorável; 3. no grid em Reims, ao lado de Jean Behra. só tinha feras então.)

politicamente_incorreto disse...

O esporte é a síntese da vida do ser humano, só que muito mais rápido. e o automobilismo e a F-1 essa exposição visceral do ser humano é salientada mais ainda pela velocidade que as coisas acontecem.
Disputas, a tentativa de ser o maior, o melhor, o mais rico, o porra louca, o drogadão, o operário, o injustiçado , o azarado, o sortudo, o come quieto, o amigo de todos, o mau caráter e mais todas as outras facetas do ser humano estão representadas na história da categoria.

Corradi e macacada é aí nesse ponto exatamente que a F-1 de hoje desanda, acho que a nossa - a minha com certeza - raiva não é com carros feiosos e todos iguais, não é com carros todos eletronicos aonde o piloto está alçado a condição de chimpanzé amestrado. Não é nada disso.

Acho que a nossa - pelo menos a minha - revolta com a categoria é o fato de tentarem criar seres artificiais e andróginos aonde necessáriamente todos devem ser bonzinhos e ter uma imagem perfeita. Se a F-1 tivesse nascido aviadada desse jeito essa história aí de cima jamais existiria, como também não existiriam vários mitos da categoria como Hunt, Villeneuve, Amon e muitos outros além dos supracitados.

O que na realidade estamos de saco cheio - eu pelo menos - é com esse maldito culto a imagem angelical dos pilotos, é dos acessores de imprensa, das entrevistas programadas, é dessa porra do direito de imagem aonde o piloto tem que ter cuidado até até quando limpa o cú, pois se o fabricante do papel higiênico não for seu patrocinador ou se possuir logomarca ele tá fudido.
Saudades do tempo em que o Lauda entrava no boxe da equipe Fittipaldi e se aboletava no cockipt sem causar um novo tsunami no Japão ou a quebra da Bolsa de Wall Street, o que está faltando na nossa vida é simplicidade. se o preço para isso é de vez em quando morrer um, eu estou disposto a pagar, afinal viver sempre foi perigososo. desde Caio Apuleio Diocles, que veio a ser o maior corredor de Bigas de todos os tempos.

Rubem Rodriguez Gonzalez

Anônimo disse...

Texto maravilhoso de uma história incrível. Já valeu o dia.


Fernando

fernando disse...

é caro Breder, a lista é longa.

pode-se acrescentar ainda Bandini e Mike Parkes, ambos na F1 em 67 no espaço de poucos meses - de onde Amon emergiu de 3º piloto a líder, este ao menos escapou de acidentes graves - e, ainda, Ignazio Giunti naquele acidente estúpido nos 1000kms de Baires em 71.

Anônimo disse...

putz!!!
é mesmo... como pude me esquecer deses três???

valeu, Fernando...

outro abraço,
Renato Breder

bruno disse...

F1Corradi. Contando histórias melhor que mil livros.

Carlos Gil disse...

Toda a actividade humana em que o risco de vida seja elevado, proporciona este tipo de enredo.
Eu comparo estes relacionamentos com os que existiam entre os aviadores militares na 1ª Grande Guerra (1914-1918), não só entre os pilotos de uma das nações mas entre todos eles, fossem conterrâneos ou inimigos.
Também esses aviadores provinham maioritariamente das classes mais elevadas das respectivas sociedades, também os melhores eram figuras mediatizadas, também eles viam desaparecer os seus pares, também eles sabiam que eram enormes as possibilidades de não acabarem vivos o seu próximo desafio, mas também eles adoravam o que faziam, e tinham dificuldade em se imaginar a fazer outra coisa naquele momento.
Conviver com a morte fazendo algo que nos realiza faz-nos querer viver uma vida inteira antes do próximo voo, ou antes da próxima corrida.

fernando disse...

caro Breder

quase adicionei mais um na lista sem pesquisar, mas como não tinha certeza fui conferir - ainda bem: Ludovico Scarfiotti venceu muita coisa para a Ferrari (incluso o GP d'Italia de 66) mas sofreu seu fatal pilotando um Porsche 910, em prova de subida-de-montanha, ano 1968.

outro abraço
Fernando Amaral

Ituano Voador disse...

1958 foi uma temporada extremamente dramática. Segundo o livro The Limit, Musso havia se envolvido em um projeto de importação de Pontiacs para a Itália, que não deu certo, daí as dívidas que o pressionavam. Houve ainda a aliança entre Collins e Hawthorn, que Musso tomou como algo pessoal. E Enzo Ferrari, com seu modo 'diplomático' de administrar conflitos, incentivava o pau comer, porque 'piloto com raiva corre mais rápido'. O resultado disso foi que Musso morreu em julho, Collins em agosto e Hawthorn em janeiro de 59. E a namorada de Musso, Fiamma Breschi, acabou se tornando amante de Enzo Ferrari.
Com relação à Monza/56, vale lembrar que, com a quebra do carro de Fangio, Enzo deu ordem para que Musso cedesse sua máquina, e o italiano se recusou a fazê-lo, pois acreditava que podia vencer a corrida (e quase conseguiu, não fosse um problema com a caixa de direção a três voltas do final). A sorte do argentino é que Collins ofereceu seu carro de forma espontânea. E Musso acabou sendo talvez o primeiro a desobedecer uma ordem de equipe da Ferrari.

Anônimo disse...

Fernando Amaral,

eu cheguei a escrever e quase deixei o nome de Willy Mairesse. Pilotou pela Ferrari durante um bom tempo (F1 e sportscats). Mas foi depois de um acidente a bordo de um Ford GT40, em Le Mans, que ficou impossibilitado de continuar sua carreira. Suicidou-se algum tempo depois, deprimido...

outro abraço,
Renato Breder

fernando disse...

bem lembrado, Breder.
eu conhecia o destino triste do Mairesse mas não sabia que o acidente dele tinha sido num GT40.

a Ferrari é pródiga mesmo nos desastres de seus pilotos em pista - talvez a Lotus rivalize com a Scuderia, mas aí os acidentes ocorriam só por deficiência na mecânica, não no manejo dos pilotos. este aspecto é característico da Scuderia, como aponta o Corradi.
até no filme "Grand Prix" está retratado na trama.

abs
fernando

fabehr disse...

bravíssimo Corradi!!!

Unknown disse...

Esse blog é foda!
Somente aqui pra encontrar essa riqueza de conteúdo.

fernandosm disse...

Capo Corradi, só faltou lembrar que essa história é que nem filme do Senhor dos Anéis (aquele que, quando termina ainda faltam duas horas de filme).
Depois da morte de Musso, Fiamma entrou em depressão e tentou se matar, e Enzo, para ajudar, a levou pra Maranello para trabalhar como assessora de imagem da Ferrari.
Acontece que o Commendatore se apaixonou pela moça e a propôs em casamento algumas vezes, mas aparentemente nem Fiamma nem a senhora Laura Ferrari queriam muito isso. Resultado: umas 140 cartas de amor de Enzo foram leiloadas por 36 mil euros (mas não as achei nas buscas internéticas pra ler, o que não ia adiantar de nada porque quase não sei ler em italiano mesmo...)
Abração,
Fernando Sonegheti

Társio disse...

Coisa linda de texto <3

E a F1 ainda é humana. É só acompanhar o que vem acontecendo com o Kubica esse ano. Ontem foi um dia especial.

Abç
Tarsio

Anônimo disse...

Que texto e que história!!

Abraço

Glaucio

Jefferson disse...

Lembrei do Bandinni, mas o Fernando ja citou abaixo.
Lembrei então dos hermanos Rodriguez, não sei se procede.

Jefferson disse...

Apenas aplausos!

Anônimo disse...

Tirou as palavras de minha mente! Sempre achei a F-1 e o automobilismo em geral mais humanos que outros esportes por conta exatamente destes aspectos. Muito dinheiro, interesses, uma boa dose de paixão (mas não dominante), amizades sinceras, amizades interesseiras....sem essa coisa patética de "amor à camisa" e torcedores birretos por conta de jogador de futebol que mudam de time e que são taxados de traidores, vira-casacas, essa baboseira toda.